Amar, gozar, morrer: recordações da mocidade
Apesar de não sabermos exatamente quando foi publicado, Amar, gozar, morrer: recordações da mocidade, de autoria anônima, faz parte da literatura erótica portuguesa do fim do século XIX, que foi vendida simultaneamente no Brasil e em Portugal, chegando a ser o romance com uma história lésbica mais vendido no Brasil, segundo o pesquisador Fernando Curopos.
A obra está no meio do caminho entre a pornografia francesa do século XVIII e o naturalismo literário do século XIX, uma vez que investe em descrições repetitivas de encontros sexuais e entende o sexo como demandas naturais do corpo, ao mesmo tempo em que moraliza algumas práticas eróticas, que necessariamente levariam ao esgotamento físico e à morte, como a homossexualidade feminina.
Assim sendo, as personagens precisam aprender a dosar a quantidade de prazer com o necessário descanso do corpo, com a finalidade de preservar a saúde. No limite entre a vida e a morte, a última saída é o casamento heterossexual e monogâmico, que ao mesmo tempo em que evita a morte por esgotamento físico significa também o fim do reinado dos prazeres do corpo, o fim da festa orgiástica.
No romance, Amélia, a narradora, após iniciar-se sexualmente com a madrasta, faz uma longa viagem de aprendizagem sexual pela Europa, acompanhada pela funcionária e amante, Joana. Ainda que escrito para o gozo dos homens heterossexuais, a obra narra, antes de tudo, a história de mulheres que gozam e decidem sobre os seus próprios corpos, prazeres e vidas, como podemos ver no trecho abaixo:
“Não me agradava a ideia do casamento.
Parecia-me que havia o quer que fosse de servidão e não podia conformar-me com este meio de me procurar prazeres. E não teria eu uma prova evidente de que não era coisa muito agradável, vendo que a Condessa, apenas viúva, não se resolvia a casar novamente?
Era óbvio ser desnecessária a santificação de uma união para que lhe gozássemos as consequências, e sem essa santificação facilmente poderíamos variar e eu sentia-me naturalmente disposta à variedade.
‒ Não me agrada o casamento, minha mãe, respondi eu à Condessa; prefiro ficar solteira, gozarei por este modo de toda a minha liberdade.
‒ És uma doidinha, minha filha. Porque imaginas perder a liberdade quanto tal caso se não dá?
‒ Sendo tão bom o casamento porque se conserva viúva?
A pergunta era direta. A Condessa corou e não achou palavras com que me respondesse. O meu argumento vencera-a totalmente. Aproveitei-me desta vitória para me aproximar dela e, abraçando-a com ternura, disse-lhe:
‒ Não falemos mais nisso. Como há pouco disse sou ainda muito criança e prefiro a sua companhia à de qualquer homem. Aqui sei que sou feliz, nada me falta, e em poder de outrem não sei o que me espera.
Eu beijava-a com ternura e os meus beijos eram tão apaixonados que a Condessa pareceu desconfiar que eram mais a manifestação dos resultados da leitura do que a dos sentimentos de amizade que nos uniam.
Não se enganava.
Naquele momento estava sob a impressão de uma das passagens daquele livro em que aprendi que duas se podiam dispensar uma infinidade de prazeres sem o concurso de qualquer homem, e naquela ocasião daria tudo para ter o grau de confiança, necessário, para o tentar.
A minha imaginação auxiliava-me e notei que a Condessa estremecia ligeiramente todas as vezes que lhe beijava o seio encantador.” (Amar, gozar, morrer, 2020, p. 43-44).
2,645 total views, 9 views today