Indicação – Baú de Miudezas, Sol e Chuva (Cidinha da Silva)

O baú de Cidinha da Silva guarda quarenta e uma preciosidades lapidadas em crônicas-contos repletas de poesia. A fluidez de seus textos nos carrega através de histórias cotidianas de amor, raiva, luto, fé, magma quente e pulsante que escorrem pelos dedos. Seja a partir de interlocuções com o jovem que lhe diz “seu texto é negro como o jazz“, seja percorrendo caminhos internos que nos colocam frente aos pequenos absurdos da sociedade virtual. Cidinha é uma verdadeira guia, cuja lamparina é construída por palavras. Seu olhar exuzilhado nos cruza e oferece a escolha: vai fechar os olhos?

Entre afetos, homenagens e reflexões, encontramos aconchegados no seio do livro, os amores da narradora. Ela utiliza os números como símbolos importantes na escrita e na fé, como os sete contos de amor declarado, e “estou falando do numeral sete porque a maldade é por conta de sua cabeça”. Nestes, não há reza, canto, batuque, rito ou oração que impeça o sorriso de vim aos lábios que guardam memórias de beijos. Cidinha conta (canta) seus amores como quem dança, ritmada e sensível, como as águas no “rio de redemoinhos no fundo”.

As afetividades direcionadas as mulheres surgem súbitas e arrebatadoras, nos carregando a pontos imprecisos e preciosos como se observássemos “o encontro das águas”. Afinal, “amor é água que brota e não cessa, irradia, fertiliza e floresce”. E é assim, conforme as águas doces dançam frente aos olhos, que escorre a sensação na face de quem se enxerga espelhada: o meu amor existe. E quero declarar, só para mim, só para ela, não para as redes sociais, tudo o que é rebuliço dentro. Nesse momento, “deixo de ser oblíqua e me torno pronome-sujeito na língua da mulher que me ama”.

Confira abaixo um trecho do conto “Durga e a Senhora das Águas”.

“Dedicarei meus nove dias de culto a ti.

No primeiro te oferecerei flores e água fresca e desejarei, em silêncio, que abras os olhos e braços à sede que tens de mim.

No segundo, o coro de colibris de Odé cantará o canto de amor que compus para ti.

No terceiro te darei minerais, preciosos ao teu gosto fino: quartzo, ouro, diamantes, turmalinas.

No quarto dia te permitirás ser ninada por meus dez braços.

No quinto compreenderás que não existo sem ti.

No sexto, explodindo de contentamento, a Lua criará mais uma fase, cheíssima de amor.

No sétimo dia brindaremos às águas, com vinho branco de palma, da adega de Ogunjá.

No oitavo dia Olodumaré e Shiva sorrirão ao nosso amor.

No nono te beijarei a boca de ameixa, sorverei tuas águas de amora e dormirei em teu leito de lavanda.” (SILVA, 2014, pp. 39-40).

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Carolina Hartfiel Barroso

Graduada em Relações Internacionais pela USP e graduanda em Letras Português/Espanhol na mesma universidade. É pesquisadora de literatura lésbica.

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