Os Serões do Convento – José Feliciano de Castilho
Publicado em 1862, Os Serões do Convento, que oscila entre a pornografia anticlerical e a ficção libertina, é um dos livros pornográficos mais vendidos no Brasil do século XIX. Além disso, é uma das primeiras obras em língua portuguesa a narrar práticas eróticas não heterossexuais, ainda que sob o signo da libertinagem e da imaginação heterossexual. Nesta obra, encontramos tanto mulheres cisgêneras que se envolvem sexo-afetivamente com outras mulheres cisgêneras, quanto personagens que vivem experiências de trânsito de gênero.
Apesar de ser considerada uma obra pornográfica, um “romance para homens”, a linguagem é efetivamente pouco pornográfica, uma vez que o autor recorre a metáforas e outras figuras de linguagem não só para narrar os encontros eróticos, mas também para descrever os corpos das personagens. A obra também estabelece uma intensa intertextualidade com o Decamerão (1348), de Giovanni Boccaccio, com trechos bíblicos, como Matheus, 25, e com o folhetim francês La vie du terrible Robert le Diable (1496).
O livro é composto por onze narrativas eróticas contadas pelas freiras em três noites diferentes, cuja finalidade é não só criar uma “perfeita intimidade” entre as mesmas, mas também excitá-las eroticamente. Ao final dos serões, as freiras saem aos beijos em casais ou trios para os quartos. A obra termina com uma promessa de continuidade, o que é realizado com a publicação de Os Serões do convento: a história de cada uma (1906). No entanto, enquanto o primeiro livro é de José Feliciano de Castilho, o segundo é de Alfredo Gallis. Vejamos um trecho da obra de Castilho:
“A geração atual não viu os mosteiros nos dias da sua glória, como ainda os alcançaram nossos pais. Estes edifícios profanados, secularizados hoje; convertidos em vivendas prosaicas de ricaços, em quartéis, em oficinas, em escolas ou em tribunais, eram nos seus dias áureos, para a imaginação fervente dos devotos, outros tantos vestíbulos do céu; para a fantasia dos moços namorados, umas solidões onde o amor se apascentava de silêncio, onde a natureza comprimida rebentava com mais violência; onde a castidade nos votos recatava mistérios inesgotáveis de voluptuosidade. Um convento de mulheres era para os reis a quem tudo sobra, para os mundanos a quem os prazeres não faltam, para os artistas e para os poetas, cuja vida é toda de privações, um centro da mais irresistível atração, e uma vertente misteriosa de idealidade sensual, se assim nos podemos exprimir. Os poetas e os músicos sentiam-se elevar acima de si mesmos nos outeiros noturnos daqueles pátios, cantando para aquelas formosas aves presas e mudas, que, por trás das grades do seu viveiro se divisavam por intervalos com um realce angélico, ao clarão intermitente da fogueira do abadessado. No locutório os mundanos se esqueciam das assembleias e dos teatros, embevecidos na contemplação, na cobiça daquelas flores viventes, daquelas sensitivas medrosas de ser tocadas, a vicejarem com fragâncias amorosas para as alturas e sem frutos para a terra, na estufa onde a piedade as reunira. Os soberanos, com a varinha de condão do seu cetro, eram os únicos para quem o talismã da clausura se quebrava; mas a esses mesmos (por verem o paraíso mais de perto, por terem, uma ou outra vez colhido nele, a furto, alguma violeta bem modesta, ou alguma saudade bem vivaz) nem por isso deixavam, às sombras dos claustros e mais ainda às dos dormitórios, de lhes entremostrar a existência de muito arcano, fechado a sete selos, para todo o homem que não fosse o tântalo confessor” (SERÕES DO CONVENTO, 2018, p. 21).
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