Indicação – Eu, Travesti: memórias de Luísa Marilac
As autobiografias trans podem até ser um fenômeno literário relativamente recente na literatura brasileira, no entanto textos autobiográficos de pessoas que transitam de gênero possuem uma história longa que remete a figuras como Alonso Díaz ainda no século XVI, com o livro Historia de la monja alferez, escrita por ella misma.
O livro Eu, travesti: memórias de Luísa Marilac, escrito em parceria com Nana Queiroz, lançado em 2019, é parte de um conjunto crescente de textos que ao narrar a vida de pessoas trans termina por problematizar a distribuição de privilégios e violências sobre a qual se funda a cisgeneridade.
Luísa mais do que bons drinks, nos oferece a sua humanidade, e nos humaniza a partir de sua singularidade. Mais do que uma confissão de si, o que Luísa e Nana nos oferecem é um relato dos sonhos de extermínio produzidos pelas normatividades de gênero e sexualidade e por aqueles que se pretendem universais. Vejamos um trecho:
"À medida em que fui me feminilizando, os pedidos dos clientes foram mudando - e meu edi lhes interessava cada vez menos. De dez homens que saíam comigo, oito queriam ser penetrados. E os que não queriam isso, queriam ao menos me ver de pau duro. Eles não querem admitir, mas é verdade: o homem que não dá, ao menos chupa. Até sei descrever seu ritual de libertação. Começam pegando nos seios, mas de olho já na neca. No próximo encontro, já chegam dizendo "nunca fiz isso", como quem pede desculpa, e metem a boca. Daí, migram para o sexo passivo com naturalidade. A heterossexualidade pura é uma fachada que acaba no escurinho com uma travesti" (EU, TRAVESTI, p. 76).
Referências:
ERAUSO, Catalina. Historia de la Monja Alférez, Catalina de Erauso, escrita por ella misma. Madrid: Cátedra, 2002.
MARILAC, Luísa; QUEIROZ, Nana. Eu, travesti: memórias de Luísa Marilac. Rio de Janeiro: Record, 2019.
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