Aceita uma dose tríplice de poesia?

Por Jhou Cardoso

A homossexualidade masculina, durante muito tempo, foi inconfessável por excelência nos países que aderiram à crença judaico-cristã.  Pois, no livro de Levítico, capítulo 20, versículo 13, diz o seguinte: “O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação, deverão morrer, e seu sangue cairá sobre eles”. Assim, ao longo dos séculos, e até hoje em alguns países, punem as relações homoafetivas com a morte. O medo dessa punição, fez com que os homossexuais perdessem o direito a liberdade de falar e escrever sobre seus desejos, de mostrar o seu íntimo, seus sentimentos e de viver sua sexualidade.

Mesmo com medo, restrições e censuras, alguns escritores homossexuais ou não, resolveram fazer uso da literatura em suas manifestações ficcionais ou poéticas para falar sobre os relacionamentos sexuais e amorosos entre pessoas do mesmo sexo. Por isso, peço licença ao poeta José Luiz Foureaux, pois meterei o bedelho onde não fui chamado para comentar sobre três poemas de sua autoria que por brincadeira do destino resolveu cair em minhas mãos.

O primeiro dele, um soneto alexandrino, com 12 sílabas em cada verso, feito de rimas pobres, intitulado “Soneto Indecoroso”. Caro Foureaux, uma vez, parafraseando uma famosa frase de Thomas Edison, o humorista Millôr Fernandes disse o seguinte: “O escrever é constituído por 10% de inspiração e 90% de transpiração”. E aposto que Vossa Senhoria deve ter transpirado muito ao utilizar da função lúdica e estética da literatura para fazer uma analogia entre a construção lírica do verso da poesia e o prazer sexual.

Já na primeira estrofe do soneto somos agraciados com as seguintes palavras: “Se o suor é o que do ordeiro ritmo do verso fica/ não sei mais o que dizer do imenso prazer que dá/ suspiros, suor, gritos em quanto a mão aperta a pica/ quente, pulsa, latejante, sem pudor, já não há.” Agora, pense comigo: se da construção de um verso só fica o suor, então, o que falar do sexo que além de nos fazer suar, nos leva aos gemidos, gritos, tremores pelo corpo e etc?

E assim, por meio do “Soneto Indecoroso”, brincando com essa analogia da transpiração do sexo e da escrita, Foureaux nos põe a refletir sobre os sonhos e as viagens do poeta na hora da escrever, com os sonhos e as viagens que o sexo possibilita. E ainda, posso confessar a vocês, sem sombra de dúvidas, que ambas nos levam ao orgasmo.

Deixando um pouco de lado a safadeza, o poema “Chuva”, feito sem rimas, com versos livres, fala de amor. Amor entre dois homens. Em um dia chuvoso, o poeta observa o vizinho que contempla a chuva e pensa em escrever uma carta de amor. “Meu vizinho do lado contempla a chuva/ e pensa em escrever uma carta de amor/ uma carta ao rapaz que vive com ele/ e cozinha para ele e lava a roupa para ele e vai pra cama com ele/ e parece sua sombra.”

Ah, a chuva! Quantas lembranças nos trazem os dias chuvosos? Enquanto fazia a leitura, me perguntei o quê o vizinho deve ter lembrado para escrever uma carta ao homem que vive com ele, ao mesmo tempo em que me fez pensar o quão é belíssimo e difícil é a escrita de uma epístola neste tempo digital que estamos vivendo. Na minha humilde opinião, na era do WhatsApp e das mensagens curtas, uma carta é a maior declaração de amor que pode existir.

O poema “Chuva”, a meu ver, trata exatamente da complexidade que é descrever o amor, porque o amor foi concebido para sentir, e não para expressar como palavras. Como diz o poeta “(…) porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa/ e somente a alma sabe onde os dois se encontram/ e quando”. Assim, fica evidente que não se consegue expressar o amor com toda a sua essência por meio da escrita.

Talvez, tendo por inspiração a música “Garota de Ipanema”, escrita por Tom Jobim, José Luiz Foureaux tenha escrito o poema de versos brancos e livres, “Menino bonito”. Assim como Tom, que observa uma garota bonita a caminho de mar, no poema vemos uma história de amor silenciosa que nasce da observação. Já nos primeiros versos, o eu-lírico constrói na mente do leitor a imagem de um homem solitário que olha um garoto caminhando pela rua. O homem de olhar suplicante pede para ser visto pelo garoto que segue seu caminho sem ao menos saber que está sendo visto.

A ideia que passa a primeira vista, sem uma análise prévia, é que o homem nutria um amor platônico pelo menino. No entanto, nos versos seguintes esse conceito é quebrado, pois uma pitada erótica é adicionada. Por meio de indagações, o eu-lírico nos leva a imaginar como seria uma noite com o menino. “De que será feito o lençol em que deita o corpo do menino bonito?/ Algodão, percal, tricoline?/ Os pés, com dedos grandes e grossos, esfregam-se cientes/ O púbis intumesce e explode,/ O suspiro preso no ar que, no escuro/ leva o menino bonito a lugares desconhecidos”. Assim, morre o amor platônico, um amor puro, sem conotação sexual, e abre espaço para um amor anônimo, silencioso, desses que mexem com a cabeça da gente quando encontramos com alguém interessante na rua, na qual trocamos olhares eternos e nunca mais vemos.

José Luiz Foureaux é desses poetas herméticos que não diz tudo de forma tão fácil. É preciso ler, reler, ler de novo e de novo até que as palavras vão fazendo sentindo e imagens vão sendo criadas na mente do leitor.  No entanto, é um grande poeta que aborda temas atuais e traz o homossexual para a literatura de forma majestosa sem precisar estar fazendo o uso da pornografia para chamar a atenção do leitor.

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