Indicação – Saturnino, porteiro dos frades bentos
Em 1741, a Histoire de Dom B… portier des Chartreux foi publicada na França. Essa primeira edição levou muita gente pra cadeia e exemplares foram queimados. Em 1842, Saturnino, porteiro dos frades bentos foi publicado em Portugal. Essa primeira edição em língua portuguesa foi recorrentemente apreendida e queimada. Em 26 de abril de 2021, Saturnino, porteiro dos frades bentos é publicado em Portugal. Essa nova edição anotada e revisada é proibida pela Amazon, sob a acusação de pornografia. Duzentos e oitenta anos depois, Saturnino segue sendo censurado.
Saturnino, porteiro dos frades bentos é uma edição brasileira-portuguesa da obra francesa Histoire de Dom B… portier des Chartreux. A história antes ambientada em Paris é agora vivida no Rio de Janeiro. Saturnino antes porteiro dos cartuxos é agora porteiro dos beneditinos. Há acréscimos, omissões e alterações suficientes para se pensar como duas obras distintas. No entanto, a pornografia e a censura unem todas as edições.
Ainda que a discussão sobre o incesto seja o grande tabu que o livro procura desestabilizar, o encontro erótico entre mulheres e o encontro erótico entre homens são também parte dos tabus que o livro narra. Por conta disso, especialmente por ser uma das primeiras narrativas em língua portuguesa a narrar atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, ainda que pensado a partir da excitação e do gozo erótico do homem heterossexual, Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842) é parte importante do que hoje entendemos como literatura LGBTQIA+.
Vejamos um trecho do livro:
“– Esse frade, me dizia ele, possuía em mais alto grau o apetite do rabo, porque não se podia satisfazer sem que também lhe fossem a ele. Era nisso que fazia consistir o seu maior prazer (parece que este sistema é muito antigo naquela religião). Um dia, porém, em que frei Barnabé, assim se chamava, arreitado em excesso, corria inutilmente os claustros, a igreja e a cerca do convento em busca de um cu sobre o qual pudesse descarregar a furiosa apojadura, o acaso, ou antes sua desgraça, lhe deparou um soldado, por nome Jacinto, que, por gosto ou interesse, cedeu a todas as suas rogativas, entrando no ajuste que Jacinto, depois de ser enrabado pelo frade, o havia também de foder pela mesma parte, ajuste que agradou a ambas as partes. Nunca frei Barnabé encontrou um cu mais saboroso do que o do soldado! Seu prazer foi de tal modo que, no momento das maiores delícias, caiu desmaiado, exclamando a Jacinto que, sem perder tempo, lhe fosse ao cu, para desse modo dilatar seus prazeres e transportar-se além dos Céus, entre êxtases de gosto. Que expressões, que religioso, que discípulo de Santo António, que homem santificado! Jacinto, que a não ser soldado deveria ter sido frade, Jacinto, que sem dúvida provinha dos mesmos pais que eu, com uma porra maior e mais rija que uma baioneta, investe ao cu do reverendíssimo e, malhando nele com mais força do que um pesado ariete sobre as portas de uma fortaleza, arromba o cu ao miserável frei Barnabé que, ferido da dor e alagado em sangue, grita por socorro, não podendo livrar-se das mãos do soldado que, tendo aberto brecha e achando-a praticável, dirigia o seu ataque com todo o vigor. Jacinto dava a sua última descarga quando entrou de chusma toda a comunidade! O espanto do guardião e mais padres foi extremo e, sem que nada pudessem dirigir com acerto, fizeram público o caso vergonhoso, reclamando justiça contra um soldado por ter ferido um frade. Porém, mandando-se-lhe que acusassem o lugar da ferida e a arma com que tinha sido feita, calaram a boca, deixando ficar aberto o cu do miserável frei Barnabé, cu que foi manchar toda a congregação, ficando-lhe o epiteto dos frades do cu rachado, e a este respeito já os rapazes cantam esta e outras muitas letras: Aos frades de Santo António Mudou o nome um soldado Pois os crismou com a porra Os frades de cu rachado” (SATURNINO, 2021, p. 148-149)
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