Indicação – A via crucis do corpo (Clarice Lispector)

A literatura de Clarice Lispector é amplamente conhecida por sua capacidade de fazer o leitor mergulhar em reflexões que exploram a subjetividade, o cotidiano e a própria existência. A riqueza de seus personagens acaba produzindo questionamentos sobre o que é o humano e o que é a humanidade. Abordar Clarice Lispector como narrativa LGTBQ+ potencializa outras leituras de suas personagens, como a ambiguidade gerada no conto “A mensagem”, do livro A Legião Estrangeira (1964), em relação à construção de masculinidades e feminilidades.

Leandro Soares (2019:80) aponta para a presença de uma dubiedade, sendo que “podemos pensar os personagens da narrativa de Clarice Lispector como andróginos, no sentido de que eles, algumas vezes e sem perceber, apresentam características de seu sexo oposto ao mesmo tempo que as do seu próprio”, e destaca o trecho: “Como se fossem homossexuais de sexo oposto, e impossibilitados de unir, em uma só, a desgraça de cada um” (LISPECTOR, 1964:35).

Clarice não só questiona os limites das normatividades de gênero, mas também insere amores e relações que fogem à heteronormatividade, como acontece no conto “O corpo”, do livro A via crucis do corpo (1974), cujo trecho destacamos abaixo:

“Às vezes as duas se deitavam na cama. Longo era o dia. E, apesar de não serem homossexuais, se excitavam uma à outra e faziam amor. Amor triste. Um dia contaram esse fato a Xavier. Xavier vibrou. E quis que nessa noite as duas se amassem na frente dele. Mas, assim encomendado, terminou tudo em nada. As duas choraram e Xavier encolerizou-se danadamente. Durante três dias ele não disse nenhuma palavra às duas. Mas, nesse intervalo, e sem encomenda, as duas foram para a cama e com sucesso.” (A VIA CRUCIS DO CORPO, 1974).

LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1964.

LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1974.

SOARES, Leandro Lopes. O personagem masculino nos contos de Clarice Lispector. RN, 2019.

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Carolina Hartfiel Barroso

Graduada em Relações Internacionais pela USP e graduanda em Letras Português/Espanhol na mesma universidade. É pesquisadora de literatura lésbica.

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