A extinção das abelhas – Natalia Borges Polesso
A extinção das abelhas (2021) é o segundo romance da contista, poeta e romancista Natalia Borges Polesso. A obra narra não apenas a história de Regina e de outras mulheres lésbicas e bissexuais que sobrevivem ao fim do mundo, em um apocalipse onde não se vislumbram objetivos comuns de sobrevivência, a partir do sul do Brasil, mas também a história daquelas que migraram antes do fechamento das fronteiras em busca de catástrofes menores. Nesse interim, a história de Regina confunde-se à história de sua mãe Lupe, que um dia deixou a filha ainda pequena para viver como Monga, a mulher-macaco, personagem a quem Regina também recorre em seus esforços de emasculação em sites pornográficos.
O apocalipse imaginado por Natália se anuncia para um futuro muito próximo, 2022, o que permite à autora diálogos interessantes como sobre os absurdos da política institucional brasileira dos últimos anos e com aquilo que é visível, mas ainda teimamos em ignorar. Assim, mistura-se o fim da pandemia do Covid, a precarização das relações de trabalho, as pessoas fazendo arminhas com as mãos, o futuro presidente, um ex-apresentador famoso por fazer “caridade” na televisão, a substituição de pesquisas sobre mudanças climáticas por pirotecnias televisivas, o pum do palhaço da namoradinha do Brasil, à escassez de alimento, ao envenenamento dos alimentos, das águas e do ar, às cadeias de trabalhos forçados, à perseguição e assassinato de pessoas lésbicas e trans, ao aparecimento de um segundo sol, à extinção das abelhas.
Vejamos dois trechos:
“A pandemia de 2020 ensinou os meios. primeiro o medo, a desinformação, a leviandade, a irresponsabilidade do governo federal, a falta de humanidade, a falta de senso comunitário, coletivo, depois o espetáculo das mortes, o aumento dos preços, as Bolsas quebrando, os sistemas de saúde entrando em curto-circuito. Fecharam fronteiras e aconselharam as pessoas a se manterem em resguardo. Cumpriu-se isso em partes. Houve quem desfilou sua ignorância e seu mau-caratismo pelas ruas. Para alguns, foi essencial estar fora de casa. Depois os congressos votaram pacotes de resgate econômico. Passado um ano, os países voltaram a crescer, disseram. Sanções foram impostas. Viagens continuaram a ser restringidas. o mundo precisava do sacrifício de todos, diziam. de quase todos. os degredados, esses continuaram morrendo como morriam antes”
“O presidente à época achou uma ótima ideia levar consigo um doppleganger cômico, decerto para contrastar com seu ar trágico. Mas os dois simbolizavam a morte. Da democracia, das instituições, do bom senso, da estética e do próprio simbólico. Uma peste tosca. Na posse da nova ministra da Cultura, uma atriz velha cuja carreira já havia acabado, tinha sido até a namoradinha do Brasil, seu discurso foi de que a cultura era como um peido espirrando talco do cu do palhaço. Na nossa cara. E no fim ela disse algo como cultura é assim, feita de palhaçada. Meses depois, caiu. Como caíram ministros da Saúde e o ministro racista da Educação. Comemoramos. Nos lamentamos. Não atentamos para os sinais. O que estávamos fazendo de verdade?˜ (p.227)
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